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Engasgando com o camelo
A evidência histórica para Jesus

Parte 2: Os Argumentos dos Apologistas

Ainda que não exista documentação extra-bíblica alguma para a existência de Jesus, apologistas cristãos estão longe de jogar a toalha. Ainda que não haja registros de testemunhas oculares, eles afirmam, mesmo assim o registro histórico fornece sim suporte mais do que suficiente para o retrato do Cristianismo de suas próprias origens.

Analisando a evidência, no entanto, tais afirmações não se sustentam sob escrutínio. Ainda que haja referências posteriores extra-bíblicas a Jesus, a falta de evidências de primeira mão por si tornam todas elas boato. Em outras palavras, historiadores que viveram depois da época de Jesus não podem prestar qualquer testemunho direto de sua existência - podem apenas repetir o que outros lhes disseram, sem conseguir eles mesmos verificar nada. Mesmo assim, será instrutivo considerar os historiadores da antiguidade mais comumente citados em apoio à historicidade de Jesus. Enquanto examinamos cada um de seus testemunhos a seguir, existem critérios importantes a se ter em mente:

  1. Quem é essa pessoa? A primeira pergunta a fazer é, quem está escrevendo isto - qual o seu background, sua perspectiva, sua afiliação religiosa? Por razões óbvias, o testemunho de uma pessoa aleatória na rua que possa apenas estar repetindo rumores populares vale menos do que o testemunho de um historiador conhecido e respeitado que sabemos que tinha o hábito de conferir cuidadosamente suas fontes. Adicionalmente, devemos perguntar - era essa pessoa um padre da igreja, ou de alguma forma cristão? Se sim, seu testemunho deve ser considerado menos confiável, já que provavelmente seria influenciado por um viés teológico. Alguns dos primeiros cristãos acreditavam até mesmo que era aceitável ocultar ou fabricar evidências já que isto iria promover seus objetivos religiosos, uma doutrina às vezes conhecida como "fraude pia". Por exemplo, Eusébio, um bispo do século III, declarava abertamente que mentir pela causa do Cristianismo era ocasionalmente necessário. Ver http://www.infidels.org/library/modern/richard_carrier/NTcanon.html#6.
  2. O quê eles escreveram? A segunda pergunta que devemos fazer é, essa pessoa realmente testemunha para a existência de um Jesus histórico, ou estão apenas descrevendo as coisas que uma nova seita acreditava? (eu poderia dizer, "Mórmons acreditam que o anjo Moroni deu a Joseph Smith o Livro do Mórmon gravado em placas de ouro", mas isto não quer dizer que eu atesto a ocorrência de tal evento.). Eles mencionam Jesus pelo nome, ou meramente atestam ao fato de que o Cristianismo existia? Apologistas às vezes produzem historiadores que caem na última categoria, mas ninguém duvida que o Cristianismo estava em existência durante o século II. Para ser de algum valor, o historiador não deve apenas dizer que os cristãos acreditam na divindade de alguém chamado Jesus; eles devem carregar seu próprio testemunho ao fato de que realmente houve uma pessoa assim que realmente fez as coisas que se afirmava que ele fizesse.
  3. Quando escreveram isso? Quanto mais tarde um historiador viveu, menos peso seu testemunho deve ser dado. (testemunho de primeira mão concorrente teria de longe o maior peso, mas de novo, nenhum existe). Um historiador que vivesse no século II CE, cem anos ou mais depois da época em que se afirma que Jesus viveu, está numa posição ruim para abalizar quaisquer histórias que possam ter sido desenvolvidas sobre ele, e mesmo assim os escritos dessas pessoas é que formam a maioria das evidências que os apologistas têm a oferecer. Como estes historiadores não podem carregar seu próprio testemunho para a verdade das coisas que escrevem, eles devem em vez disso estar confiando em fontes anteriores, e são essas fontes que deveriam ser citadas sempre que possível.

Os Historiadores

Flávio Josefo

De todos os historiadores da Antiguidade que se afirma testemunharem a existência de Jesus, Josefo é sem dúvida o mais frequentemente citado por cristãos. Ele foi um respeitado historiador judeu que trabalhou para os romanos sob o patrocínio do imperador Vespasiano; nascido em torno de 37 CE, ele é também o mais próximo da época de Jesus de todos os historiadores citados pelos apologistas. Seus dois maiores trabalhos sobreviventes são intitulados Antiguidades Judaicas, uma história detalhada do povo judeu baseada amplamente em registros bíblicos, e A Guerra dos Judeus, uma história da desastrosa revolta judaica contra a ocupação romana de Jerusalém em torno de 70 CE.

Antiguidades, livro 18, capítulo 3, contém a mais infame referência a Jesus a ser encontrada no trabalho de qualquer historiador. Poucas passagens inflamaram tantos debates quanto esta, o assim chamado Testimonium Flavianum, cujo texto na íntegra aparece abaixo:

"Havia neste tempo Jesus, um homem sábio, se é lícito chamá-lo de homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com prazer. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios. Ele era o Cristo. E quando Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o amaram no princípio não o esqueceram; porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia, como os divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta até hoje."

Para qualquer pessoa que não esteja familiar com os debates girando em torno desta passagem, parece fornecer uma sensacional corroboração das histórias do Evangelho em virtualmente cada detalhe. De fato, parece fantástico demais para ser verdade. E, realmente, é este o consenso da maioria esmagadora dos estudiosos críticos de hoje. Ninguém mais discute que o Testimonium Flavianum é, ao menos em parte, uma falsificação, uma interpolação posterior no trabalho de Josefo. Podemos nos assegurar disto por várias razoes. Uma é que o endosso entusiasmado dos milagres de Jesus só poderia ter sido escrito por um cristão, e Josefo não era cristão. Ele era um judeu ortodoxo e permaneceu assim por toda a sua vida. O padre da igreja Orígenes, que citava Josefo à vontade, escreveu que ele "não estava acreditando em Jesus como o Cristo". Além disso, em A Guerra dos Judeus, Josefo declara especificamente a sua crença que o imperador romano Vespasiano era o cumprimento das profecias messiânicas - que foi o que lhe garantiu seu emprego em primeiro lugar.

Então, imagine que removamos as óbvias interpolações cristãs - frases como "se é lícito chamá-lo de homem", "ele era o Cristo", e "porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia, como os divinos profetas tinham previsto". Poderíamos deixar o resto como está, preservando um Testimonium "reduzido" no qual Josefo testifica a simples existência de Jesus como um sábio e um professor, sem aliciá-lo como um Messias ou um milagreiro?

Esta é a posição tomada pela maioria dos estudiosos cristãos hoje, mas ela também é falha. Até mesmo o Testimonium "reduzido" ainda louva muito Jesus. Isto é muito improvável. Em outros lugares Josefo menciona outros messias auto-proclamados da época, tais como Judas da Galileia e Teudas, o mago, mas ele nada tinha de bom a dizer deles. Ele os despreza como enganadores e trapaceiros, os rotula como "falsos profetas", "impostores" e "fraudes", os culpa por guerras e fome que atormentavam os judeus, e mais. Isto é totalmente compreensível, já que Josefo estava escrevendo sob patrocínio romano, e os romanos não simpatizavam com os messias auto-proclamados da época, já que muitos deles pregavam sobre derrubar a ordem estabelecida, i. e. o governo romano ("os humildes herdarão a terra" teria caído como uma luva nesta categoria, assim como "não vim para trazer a paz, mas sim uma espada".). Alguns que se afirmavam messias foram até mais longe, confrontando ativamente a autoridade estabelecida e semeando a discórdia (a expulsão dos comerciantes do templo por Jesus vem à mente). Os romanos não hesitavam em expressar seu desprazer com esses tipos de atividades, executando os que se diziam o Messias, vários outros exemplos dos quais Josefo nos conta. Tivesse Josefo escrito genuinamente sobre Jesus, ele teria sido obrigado a denunciá-lo, não só por causa de suas crenças ortodoxas judaicas, mas também porque ele tinha que estar de acordo com visões romanas ou se arriscaria a ser preso ou a algo pior. É simplesmente impossível que ele tivesse escrito o Testimonium "reduzido".

Há outras boas razões para crer que esta passagem é uma falsificação; no caso, não se encaixa no contexto. O livro 18, capítulo 3 das Antiguidades inicia com um relato de um massacre dos judeus por Pilatos em retaliação por seus protestos contra o uso de dinheiro sagrado; então chega o Testimonium, e então o próximo parágrafo começa, "E em torno da mesma época, outro terrível infortúnio atingiu os judeus...". É inconcebível que Josefo, um judeu ortodoxo, teria considerado que a morte de Jesus tenha sido um infortúnio judeu. (É claro, podia-se argumentar que o infortúnio ao qual ele se referia fosse não a morte de Jesus, mas sim a fundação do Cristianismo. Nesse caso, no entanto, a pergunta deve novamente ser feita, como isto se encaixa com o louvor entusiasmado para Jesus encontrado até mesmo no Testimonium "reduzido"?). Por outro lado, se a passagem é totalmente removida, os parágrafos anterior e posterior se encaixam naturalmente.

Um argumento final pode ser feito contra a autenticidade do Testimonium - ele não aparece em lugar nenhum até o século IV CE. No século segundo, o padre da igreja Orígenes defendeu o Cristianismo contra os ataques do pagão Celso; ele cita Josefo à vontade para apoiar seus pontos, mas jamais menciona o Testimonium, ainda que ele parecesse ser o definitivo às na manga. Apologistas modernos racionalizam isto afirmando que Orígenes não estava a par da existência desta passagem, mas isto parece fraco à luz do fato de que ele demonstrava familiaridade com os trabalhos de Josefo, e ainda mais fraca quando se entende que estão pedindo que acreditemos que nem um único apologista antes dos anos 300 tenha por acaso percebido este parágrafo ou o considerado digno de nota. O primeiro cristão que citou o Testimonium foi Eusébio, no século IV; alguns estudiosos acreditam que foi ele quem o forjou.

Há outra breve passagem em Josefo que menciona Jesus. Antiguidades, livro 20, capítulo 9, contém o seguinte:

"Festo estava agora morto, e Albino pegou a estrada; então ele [Anano, o sumo sacerdote judeu] reuniu o sinédrio de juízes, e trouxe perante eles o irmão de Jesus, aquele chamado Cristo, cujo nome era Tiago, e outros. E quando ele formara uma acusação contra eles como violadores da lei, ele os entregou ao apedrejamento..."

Esta passagem não é uma falsificação tão óbvia quanto o Testimonium Flavianum. No entanto, uma linha de ataque mais oblíqua é possível, como segue:

Josefo era um historiador judeu, mas trabalhava sob o patrocínio do imperador romano Vespasiano; ele estava escrevendo para um público romano. Um público romano não estaria familiar com os conceitos de uma expectativa messiânica judaica, e não saberiam o que a palavra "Cristo" significaria. Traria-se apenas confusão se essa idéia fosse assim jogada sem explicação - e mesmo assim, se rejeitarmos o Testimonium como a falsificação óbvia que é, este breve trecho é o único uso do termo em qualquer lugar em quaisquer das obras de Josefo, fornecida sem elaboração adicional. Como é altamente improvável que Josefo tenha usado este termo sem explicar o que significa, é portanto provável que esta frase seja também uma interpolação.

Quando concluímos isto, várias coisas se encaixam. Uma é a intrigante ordem das palavras deste parágrafo - porque teria Josefo pensado em mencionar Jesus primeiro, quando a passagem na verdade é sobre alguém totalmente diferente? Mas faz sentido total que um interpolador cristão, consciente ou inconscientemente, teria dado lugar de destaque para o nome de seu salvador. Outra é a fraseologia da passagem. Alguns traduziram a frase crucial como "o irmão de Jesus, aquele assim chamado Cristo". No entanto, esta tradução não é suportada pelo grego original - de fato, as palavras originais em grego usadas são idênticas (exceto por estarem em um caso levemente diferente) ao estilo de Mateus 1:16.

É verdade que estas coisas podem ser coincidências. No entanto, há ainda mais uma anomalia. Lendo o resto do capítulo 9, aprendemos que os judeus estavam tão irritados pelo apedrejamento de Tiago que eles escreveram ao rei, Agripa, exigindo que Ananos fosse despedido. Porque os judeus ficariam tão irritados sobre o assassinato de um apóstata, um líder cristão, a ponto de tentarem derrubar seu próprio sumo sacerdote?

Nenhum destes quatro pontos é conclusivo por si só. No entanto, quando somamos todos, o peso combinado das evidências aponta fortemente para a conclusão que esta é, também, uma interpolação cristã posterior. Talvez Josefo estava discutindo sobre outra pessoa, algum judeu qualquer chamado Tiago, e mais tarde um comentador cristão assumiu erradamente que ele era o irmão de Jesus a quem estava se referindo mas se perturbou por Josefo não tê-lo dito, então fez ele mesmo essa conexão ao inserir a frase "irmão de Jesus, aquele chamado Cristo".

Esta conclusão faz bastante sentido e torna a passagem menos discordante, mais cabível dentro do contexto. Afinal de contas, se Josefo realmente tivera escrito a frase "aquele chamado Cristo", é difícil de crer que ele a tivesse deixado assim sem mais elaboração. Afinal de contas, chamar alguém de "Cristo" é uma afirmação que é presunçosa ao extremo - torna essa pessoa o messias enviado por Deus, o salvador há muito aguardado que os judeus prometeram que estabeleceria o reino de Deus na terra por todos os tempos. Parece muito provável que Josefo incluiria ao menos uma breve discussão das ações da pessoa que se atreveria a assumir tão grandiosa tarefa, mesmo que ele não acreditasse nas afirmações messiânicas dessa pessoa. Mas nenhuma discussão assim se encontra em qualquer parte em Josefo, e assim podemos concluir com confiança que isto é porque ele jamais escreveu esta frase em primeiro lugar.

Suetônio

Gaio Suetônio Tranquilo foi um historiador e biógrafo romano, cuja mais famosa obra é intitulada Vidas dos Doze Césares, uma biografia dos doze imperadores romanos, enriquecida com fofocas e histórias de escândalos. Escrita em torno de 120 CE, o livro contém uma passagem a qual os apologistas frequentemente citam:

"Por conta dos judeus de Roma terem causado contínuas perturbações instigadas por Cresto, [Cláudio] os expulsou da cidade."

Como evidência histórica para a existência de Jesus, este verso é muito fraco. Várias anomalias imediatamente saltam ao lê-lo. Uma é que o nome de Jesus está aparentemente incorreto. Mas sob uma análise mais aprofundada, pode não estar. "Cresto" (Chrestus) não significa "Cristo" (que seria "Christus") - em vez disso, "Cresto" era um nome latim perfeitamente válido em seu direito, e um nome também muito comum. Pode muito bem ser que esta passagem esteja se referindo a algum agitador judeu desconhecido, talvez outro pretendente messiânico como os descritos por Josefo. Além disso, Cláudio era o imperador romano de 41 a 54 CE. Não há indicação historicamente que o Cristianismo tenha se espalhado até Roma nessa época, ou que fosse poderoso o bastante para ter causado uma revolta. Perceba, também, que essa passagem diz que não foram os cristãos que estavam causando perturbações, mas sim os judeus - e Suetônio escreve sobre cristãos em outras partes de sua obra, então ele claramente sabia a diferença.

Finalmente, vale a pena notar quando esta passagem foi escrita. Após Josefo, a testemunha cronologicamente mais próxima da vida de Jesus que os apologistas têm a oferecer, saltamos agora para 120 CE. Uma referência inequívoca à pessoa que possa ter sido o fundador do Cristianismo, escrita mais de setenta anos após sua suposta morte, dificilmente é evidência convincente para a existência de Jesus.

Há outro breve verso em Suetônio que os apologistas ocasionalmente citam:

"Após o grande incêndio em Roma [durante o reinado de Nero]... Castigos também foram infligidos sobre os cristãos, uma seita professando uma nova e travessa crença religiosa."

Perceba a segunda pergunta feita no início deste ensaio - o que o historiador escreveu? Esta breve passagem nada menciona sobre a existência de Jesus, e é portanto inútil como evidência de sua existência. Nada prova a não ser que havia cristãos em 120 CE, o que ninguém discute.

Plínio, o Jovem

Por dois anos o procônsul da Bitínia, uma província romana na Ásia Menor, Plínio, o Jovem é melhor conhecido pelas várias cartas que ele escreveu para o imperador Trajano em torno de 112 CE que fornecem informações sobre a vida da época. Uma delas diz:

"[Os cristãos] tinham o hábito de se encontrarem num certo dia fixo antes do sol nascer, quando cantavam em versos alternados um hino a Cristo, como que para um deus..."

Novamente, perceba o segundo critério. Esta passagem nada menciona sobre um Jesus histórico, nem atesta a existência de tal pessoa. Apenas declara que os cristãos adoravam a Cristo, mas isto nada prova, assim como um verso sobre os romanos adorando a Zeus não demonstraria que tal ser existisse. (perceba também que "Cristo" é um título, não um nome). Este verso não declara que este Cristo alguma vez esteve na Terra - nem sequer declara que os cristãos assim acreditavam. Portanto, é inteiramente compatível com um Cristianismo inicial adorando um Cristo espiritual cuja morte e ressurreição aconteceram no céu; mas ainda que não o fosse, cem anos é tempo mais que suficiente para que lendas sobre um homem histórico criassem raízes.

Tácito

Outro historiador romano, as obras sobreviventes de Cornélio Tácito consistem da Germânia, as Histórias, e os Anais, escritas em torno de 115 CE. Uma passagem no fim dos Anais, livro 15, capítulo 44, traz outra menção de Jesus:

"Consequentemente, para livrar-se do rumor [de que fora responsável pelo grande incêndio], Nero desviou a culpa para e infligiu as mais requintadas torturas sobre uma classe detestada por suas abominações, chamada de cristãos pela população. Christus, a origem do nome, sofreu a penalidade extrema durante o reinado de Tibério sob as mãos de um de nossos procuradores, Pôncio Pilatos, e uma superstição muito travessa eclodiu não só na Judeia, a fonte primordial deste mal, mas também em Roma, onde todas as coisas horríveis e vergonhosas de toda parte do mundo encontram seu centro e se tornam populares. Por conseqüência, prisões foram realizadas de todos que se declarassem culpados; e então, a partir de suas informações, uma imensa multidão foi culpada, não tanto pelo crime de pôr fogo na cidade, mas pelo ódio contra a humanidade."

Esta passagem é muito provavelmente autêntica de Tácito; um interpolador cristão não teria escrito coisas tão desconfortáveis sobre sua própria religião. (Compare isto ao tom brilhante até mesmo do Testimonium Flavianum "reduzido".). Mas, novamente, quanto aos outros historiadores, é importante notar que Tácito não escreveu isto até quase cem anos depois que Jesus supostamente viveu. Assim, ele não pode fornecer evidência de primeira mão para a existência de Jesus, e portanto faz sentido perguntar de onde ele tirou sua informação - quais foram as suas fontes.

A ideia de que Tácito pegou sua informação de registros oficiais romanos parece altamente improvável. Não há evidências de que os romanos mantinham registros meticulosos percorrendo quase um século de toda e cada crucificação feita em cada canto do império, e essa probabilidade é reduzida ainda mais pelo fato de que Roma fora essencialmente destruída pelas chamas nesse meio tempo (que é sobre o que Tácito estava escrevendo no parágrafo citado). O cenário mais provável é que Tácito estava tomando seus fatos de fontes cristãs contemporâneas; ele não teria razão para duvidar delas. Esta passagem é, portanto, provavelmente baseada em boataria cristã posterior e é fraca como evidência para um Jesus histórico.

Mara Bar-Serapion

Mara Bar-Serapion foi um sírio, mas tirando isso nada mais se sabe sobre sua vida. Tudo que possuímos hoje são fragmentos de uma carta que ele estava escrevendo para o seu filho da prisão, um dos quais diz o seguinte:

"Que vantagem teve os atenienses ao levarem Sócrates à morte? Fome e pragas caíram sobre eles como julgamento pelo seu crime. Que vantagem teve os homens de Samos ao enterrarem Pitágoras? De pronto sua terra foi coberta por areia. Que vantagem teve os judeus ao executarem seu sábio rei? Foi justamente depois disso que seu reino foi abolido. Deus vingou de forma justa estes três sábios: os atenienses morreram de fome; os samianos foram sufocados pelos mares; os judeus, arruinados e desfeitos de sua terra, vivem em completa dispersão. Mas Sócrates não morreu para sempre; permaneceu vivo nos ensinamentos de Platão. Pitágoras não morreu para sempre; permaneceu vivo na estátua de Hera. Nem o sábio rei morreu para sempre; está vivo nos ensinamentos que deu."

Ambos os segundo e terceiro critérios se aplicam aqui. Primeiro, deve-se reparar que a datação desta carta é muito incerta. Mesmo as mais antigas estimativas a colocam em torno de 70 CE, somente 40 anos após a morte de Jesus, enquanto que alguns historiadores têm-na datado para depois da metade do século terceiro. Segundo, e muito mais importante, a carta nem sequer menciona Jesus pelo nome - somente se refere a um "sábio rei", e não menciona qualquer feito ou dito específico deste individuo. Poderia estar se referindo a qualquer um dos pretendentes messiânicos do século I, ou a alguém mais, inteiramente desconhecido de nós. Não há como dizer. De fato, parece menos provável que Bar-Serapion mencionou Jesus do que qualquer outro messias, já que Jesus foi morto pelos romanos, não pelos judeus. O fato de que ele nem sequer diz o nome deste "sábio rei", enquanto que ele cita Sócrates e Pitágoras, sugere que Bar-Serapion não sabia de quase nada sobre ele. Portanto, como confirmação da historicidade de Jesus, seu testemunho não possui mérito.

Luciano de Samósata

Nascido em torno de 125 CE, Luciano de Samósata não foi um historiador, e sim um satirista que escreveu diálogos ridicularizando a filosofia e mitologia gregas. Alguns apologistas citam uma breve passagem sua:

"Os cristãos, sabe, adoram um homem até hoje - o distinto personagem que apresentou seus novos ritos, e foi crucificado por conta disso... Vejam, estas equivocadas criaturas começam com a convicção geral de que são imortais por toda a eternidade, o que explica o desprezo pela morte e a auto-devoção voluntária, tão comuns entre eles; e então foi estampado neles pelo seu legislador original que eles são todos irmãos, do momento em que são convertidos, e negam os deuses da Grécia, e adoram o sábio crucificado, e vivem a partir de suas leis. Tudo isto eles sustentam apenas com a fé, com o resultado de detestarem todos os deuses mundanos, considerando-os apenas como propriedade comum."

Lendo assim, parece que o testemunho de Luciano suportaria a ideia de que Jesus Cristo realmente existiu. No entanto, a terceira questão se aplica aqui - quando ele o escreveu? Dado que esta passagem não foi escrita até metade do século II, no mínimo, não pode possivelmente fornecer qualquer evidência direta para a historicidade de Jesus. Mas quais fontes ele usou? Como ele não diz, não podemos dizer ao certo. No entanto, pode ser que ele usou como fonte um dos outros historiadores listados aqui; pode até estar repetindo histórias que ouviu de cristãos contemporâneos. Novamente, ele não diz quais foram suas fontes, então não podemos saber; tudo que podemos saber é que o texto de Luciano não fornece confirmação independente para a existência de Jesus.

O Talmud Judaico

Um compêndio de lei oral judaica e comentário rabínico ainda usado pelos judeus ortodoxos de hoje para complementar o Torá, o Talmud era inteiramente oral até que foi codificado e escrito em algum lugar, em torno de 200 CE. Contém algumas referências a Jesus espalhadas nele, uma das quais reproduzida abaixo:

"Na véspera da Páscoa Yeshu foi enforcado. Por quarenta dias antes da execução, um arauto veio e gritou, 'ele está indo para o apedrejamento porque praticou feitiçaria e incitou a apostasia em Israel. Qualquer um que possa dizer algo a seu favor, que venha e o defenda'. Mas já que nada foi trazido a seu favor ele foi enforcado na véspera da páscoa."

O problema com o Talmud é este - não é uma história objetiva, mas uma polêmica. É óbvio que o verso acima não é uma descrição de algo que realmente aconteceu; em vez disso, é uma réplica judaica à acusação do Novo Testamento que o julgamento e execução de Jesus tomou lugar secretamente e às pressas. Viés teológico torna registros históricos duvidosos, e isto é tão verdadeiro para os judeus que estavam respondendo às acusações cristãs quanto para os cristãos que as fizeram. No tempo em que o Talmud foi compilado, séculos depois da suposta morte de Jesus e depois da Guerra Judaica que causou vasta destruição em Jerusalém e espalhou o povo judeu ao vento, rabinos do século III não estariam numa posição de poderem refutar a própria existência de Jesus (sem falar que também lhes faltavam as técnicas exegéticas que teriam lhes permitido sequer suspeitar de tal possibilidade). Teria sido muito mais fácil garantir sua existência e então deslocar as histórias sobre ele ao favor deles em vez de dos cristãos, e isto foi exatamente o que aconteceu.

Além disso, o Talmud não possui valor como um registro histórico porque ele dramaticamente contradiz a versão cristã dos eventos, e até mesmo contradiz a si próprio em vários lugares, quando fala de Jesus. Repare que o verso acima diz que ele foi enforcado, e não crucificado. Há outros que dizem que ele morreu por apedrejamento, não no Calvário, mas sim em Lida, e não pelos romanos, mas sim pelos judeus. Alguns versos talmúdicos dizem que Jesus foi o filho de um soldado romano, outros dizem que ele era um mago. Uma menção de Jesus coloca a sua vida na época dos reis macabeanos, em torno de 100 BCE, enquanto outra diz que seus pais eram contemporâneos de um rabino do século segundo. Tais registros fragmentados e inconsistentes mostram que o Talmud não tem como ser uma história precisa; se estivesse descrevendo eventos reais, seria impossível para ele se contradizer. Isto, combinado com sua data mais recente de escrita, o torna ainda mais fraco do que os outros registros como evidência da existência de Jesus.

Talo

O nome verdadeiro do historiador que hoje chamamos de Talo de fato não é conhecido. Nada escrito por Talo sobreviveu até a atualidade; a única razão que sabemos algo sobre ele é que ele é mencionado nas escrituras de outros. No século IX CE, um cristão chamado George Syncellus citou um cristão do século III chamado Júlio Africano, que por sua vez referenciou o trabalho de outro homem que escrevera uma historia do Mediterrâneo Oriental, em algum ponto entre 50 e 100 CE. O nome real deste homem é incerto, o manuscrito está danificado e uma letra está perdida, mas Talo parece ser a soletração correta. Nem seus trabalhos originais nem qualquer obra de Africanus sobreviveram, e um fragmento de boato de terceira mão separados por oito séculos é tão fraco e desimportante quanto uma evidência possa ser. Mesmo assim, se se possa acreditar em Syncellus e por sua vez Africanus, a história de Talo mencionou a escuridão de três horas na época da crucificação de Jesus. (não se conhece citações diretas de Talo.)

Como dito anteriormente, esta evidência é tão ridiculamente fraca e circunstancial que se pode ser justificadamente descartada sem avançar muito mais. Boato de terceira mão não é prova convincente de uma escuridão mundial que todo mundo deveria ter percebido. Além disso, o próprio Talo não disse necessariamente que foi algo fora do normal. Syncellus cita Africanus como tendo dito isto:

"Talo, no terceiro livro de suas histórias, descarta a escuridão como sendo apenas um eclipse solar - injustificadamente, a meu ver."

A Páscoa gira em torno de uma lua cheia, e é fisicamente impossível para um eclipse solar ter ocorrido durante uma lua cheia, muito menos que tenha durado três horas, então Africanus estaria certo se isso foi o que Talo disse - mas não sabemos o que Talo disse; ele não é citado diretamente. Astrônomos calcularam que um eclipse solar realmente ocorreu em novembro de 29 CE. Não é possível que Talo estava registrando isto, e nada mais, e que a ligação para a história do evangelho foi feita por Africanus que por engano pensou que foi uma tentativa de explicar uma misteriosa escuridão de três horas? E é claro, isto assumindo que Africanus referenciou Talo de forma precisa, e que Syncellus referenciou ambos de forma precisa. Nenhum dos elos desta longa cadeia de pressupostos pode ser fundamentado, e portanto não há boa razão para aceitar Talo como qualquer corroboração do registro do evangelho.

Flégon

À medida que nos aproximamos do fim da lista, encontramos Flégon de Trales, um escritor que viveu em cerca de 140 CE. Como Talo, ele é tipicamente citado como uma testemunha da milagrosa escuridão do tempo da crucificação; também como Talo, suas maiores obras, as Crônicas e as Olimpíadas, foram perdidas, e a única forma que soubemos qualquer coisa que diziam é através de referências feitas a elas por comentadores cristãos posteriores, tais como Orígenes, Eusébio e Júlio Africano. Todos eles, como mencionados anteriormente, referenciam Flégon de apoio à escuridão. Por exemplo, Júlio Africano diz o seguinte:

"De fato, que assim seja. Que a ideia de que isto aconteceu prenda e conduza a multidão, e que o prodígio cósmico conte como um eclipse solar de acordo com sua aparência. Flégon reporta que no tempo de Tibério César, durante a lua cheia, um eclipse total do sol aconteceu, da hora sexta até a nona. Claramente este é o nosso eclipse!"

E Eusébio, o único a citar Flégon literalmente, tem isto a dizer:

"De fato, Flégon, também, um distinto contador das Olimpíadas, escreveu mais sobre estes eventos no seu 13º livro, dizendo isto: 'Agora, no quarto ano da 202ª olimpíada [32 CE], um grande eclipse do sol ocorreu na hora sexta que superou qualquer outro antes dele, transformando o dia em uma noite tão escura que as estrelas podiam ser vistas no céu, e a terra se mexeu na Bitínia, tombando muitas construções na cidade de Niceia.'"

É claro, considerações sobre o terceiro critério entram aqui - era tarde demais para Flégon ter testemunhado quaisquer dessas coisas pessoalmente. Ele não pode fornecer atestação independente da escuridão.

No entanto, há uma consideração bem mais séria do primeiro critério, um que pega diretamente na credibilidade de Flégon como um historiador. Ele não era um cristão até onde sabemos, então não há base para acusá-lo de inventar a história para suportar suas próprias crenças. No entanto, parece que Flégon tinha um gosto particular por histórias fantásticas e miraculosas, independente de suas origens, e endossava como fato muitas coisas que eram impossíveis. O seu Livro das Maravilhas contém histórias sobre coisas como centauros vivos, fantasmas, homens dando à luz, uma profetisa grega de mil anos de idade, profecias ditas por um cadáver num campo de batalha, e a cabeça animada e decapitada do general romano Publius, que continuava a falar mesmo após seu corpo ter sido devorado por um grande lobo-vermelho.

Na época em que Flégon escreveu, do meio para o fim do século II, a mitologia cristã sobre a crucificação já teria se espalhado amplamente. É bem provável que Flégon, jamais avesso a histórias fantásticas, pegou estes contos e os repetiu acriticamente. Um escritor tão duvidoso, e em qualquer caso conhecido por nós somente através de boatos de cristãos que poderiam muito bem ter posto seu próprio toque sobre o que ele escreveu, não pode ser considerado como testemunho histórico útil.

Outros

Além dos escritores e historiadores listados aqui, alguns apologistas citarão padres da igreja do século segundo ou posterior e apologistas tais como Clemente, Inácio, Justino Mártir, Policarpo, Orígenes ou Eusébio. O testemunho de um cristão que viveu séculos depois da morte de Jesus dificilmente pode ser considerado uma fonte valiosa ou confiável - de onde eles poderiam obter suas informações, senão dos evangelhos? Por qualquer padrão aceitável, nenhum destes contribuiu com um fiapo de evidência independente para a existência histórica de Jesus.


Há um bom espaço para contestar ou a autenticidade ou a confiabilidade, ou ambas, de cada fonte histórica citada como suporte para a existência de Jesus. Mas mesmo que fosse de outra forma - ainda que não houvesse razão para contestar passagem alguma das listadas acima - isto ainda não constituiria um testemunho muito impressionante do homem mais importante que já viveu. Junte todas elas e mal daria uma página. É razoável crer que a vida de Jesus teria sido percebida por tão poucos? É razoável crer em uma escuridão mundial notada apenas por dois escritores obscuros, ambos hoje perdidos, cujo testemunho nos vem apenas através de boatos de terceira mão? Ou em uma ressurreição em massa de santos mortos não percebida por pessoa alguma? Ou em um Filho de Deus encarnado cujos numerosos milagres, imensas multidões de seguidores e um retorno triunfal dos mortos sejam mencionados somente em poucas breves passagens escritas por historiadores que viveram décadas após sua morte?

Claramente, há algo muito errado aqui.

Mas qual é a solução? A parte 3 irá responder essa pergunta, analisando as epístolas do Novo Testamento e os textos dos primeiros apologistas para argumentar uma conclusão muito diferente sobre em que os primeiros cristãos realmente acreditavam.

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Parte 3: A Religião da Palavra